terça-feira, 24 de janeiro de 2012

TJRN admite desvio de valores e pede ao MP que abra inquérito

Em nota oficial assinada pela presidenta Judite Nunes, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte admite, pela primeira vez, que existem fortes indícios de desvio de recursos referentes ao pagamento de precatórios no âmbito do próprio Tribunal. Uma Comissão de Sindicância, instituída pela presidenta para averiguar possíveis irregularidades ocorridas nos últimos cinco anos no Setor de Precatórios, apresentou um relatório apontando que, de fato, existem indícios de "irregularidades abrangentes".   

Procurador-geral, Manoel Onofre, recebeu ontem documentos do TJ
O inteiro teor do relatório preliminar da Comissão, presidida pelo desembargador Caio Alencar, não foi divulgado para a imprensa. Mas, entre outras constatações, há evidências de que o esquema de fraudes contava com a participação de pessoas "externas ao Poder Judiciário". A gravidade das fraudes podem ser medidas pelas sugestões apresentadas pela Comissão e acatadas, de imediato, pela presidenta do TJ, desembargadora Judite Nunes: 1) solicitar a abertura de inquérito por parte do Ministério Público, como forma de "judicializar" a questão; 2) pedir auxílio ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para auditar as contas do Setor de Precatórios; 3) comunicar e pedir a "contribuição" do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para acompanhar o caso. 

Ontem pela manhã, os magistrados reuniram-se com o procurador-geral de Justiça, Manoel Onofre Neto. De acordo com o comunicado oficial do Tribunal, "se fazem necessárias medidas que fogem à esfera de atuação administrativa". Além disso, de acordo com o entendimento da desembargadora Judite Nunes explicitado na nota, existe uma acentuada urgência na adoção deste procedimento, mesmo que a dimensão total das irregularidades ainda não tenham sido aferidas. 

"Foi entregue ao Ministério Público um relatório prévio da comissão de sindicância designada pela presidente do TJ, a desembargadora Judite Nunes. Estou debruçado sobre o documento que irá requerer uma dedicação exclusiva por parte dos promotores do Ministério Público para uma análise detalhada e cautelosa", disse Manoel Onofre Neto. Ele afirmou que, se necessárias, serão feitas notificações para que supostos envolvidos sejam ouvidos, assim como a requisição de documentos para análise complementar também poderão ser realizadas. 

A averiguação das informações ficará a cargo do próprio procurador-geral, bem como dos promotores de Defesa do Patrimônio Público. De acordo com Manoel Onofre Neto, o Ministério Público poderá emitir as primeiras declarações acerca do documento recebido até o final desta semana. "Iremos buscar a efetividade das apurações e poderemos trabalhar, inclusive, na recuperação de recursos públicos supostamente desviados", destacou o procurador-geral de Justiça.

Segundo texto da nota oficial do TJ, "a presidência imediatamente acatou as sugestões da referida Comissão havendo entregue pessoalmente ao procurador-geral de Justiça (…) material que evidenciaria os indícios de prática criminosa, solicitando o aprofundamento das investigações no que se refere aos eventuais delitos (...)".

Além do Ministério Público, a presidenta do TJ, Judite Nunes, o corregedor-geral desembargador Cláudio Santos, e o desembargador Caio Alencar estiveram reunidos ontem com o presidente da Corte de Contas do Tribunal de Contas do Estado (TCE), conselheiro Valério Mesquita. Os representantes do Poder Judiciário estadual solicitaram uma comissão de auditores do TCE para apurar as suspeitas de ilegalidades, culminando com desvio de recursos, no setor de precatórios do Tribunal de Justiça. Esta é a primeira vez que um órgão externo investigará um problema administrativo do Judiciário estadual potiguar. 

Em paralelo, a presidenta determinou uma "reestruturação no Setor de Precatórios, inclusive com a averiguação mais completa das irregularidades e a imediata remessa ao Órgão do Ministério Público de todos os fatos detectados e que, em tese, se constituíssem crime, havendo ainda solicitado, para tanto, o auxílio do TCE, assim como irá comunicar e solicitar a contribuição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)". No documento, a desembargadora afirma que ainda não irá disponibilizar o conteúdo dos fatos até agora apurados à imprensa e irá conduzir a situação com serenidade e vigor. 

NOTA OFICIAL

A Presidente do Tribunal de Justiça do RN, Desembargadora JUDITE NUNES, dando continuidade às informações prestadas em Nota anterior, em relação à apuração de irregularidades ocorridas no Setor de Precatórios deste Tribunal, torna públicos os seguintes fatos e esclarecimentos:

I - Que a Comissão instituída para averiguar possíveis irregularidades ocorridas no Setor de Precatórios deste Tribunal de Justiça, presidida pelo Desembargador CAIO ALENCAR, apresentou a esta Presidência conclusão que de fato existem irregularidades, sendo estas abrangentes, mesmo que ainda não totalmente mensuradas, inclusive justificando suas conclusões com documentação suficiente, e que tais se constituem em fortes indícios de que tenha havido desvio de valores provenientes do pagamento de Precatórios no âmbito deste Tribunal, com possível envolvimento inclusive de pessoas externas ao Poder Judiciário, o que em tese configuraria infração tipificada na lei penal.

II - Que em face de tal conclusão, entendeu a referida Comissão, dentre outras medidas, que havia necessidade de judicializar imediatamente a questão, única forma de permitir uma apuração mais ampla dos fatos supostamente criminosos, uma vez que para tanto se fazem necessárias medidas que fogem à esfera de atuação administrativa, além de ter acentuado a urgência de assim proceder, antes mesmo de chegar-se a total dimensão das irregularidades detectadas.

III - Que a Presidência imediatamente acatou as sugestões da referida Comissão, havendo entregue pessoalmente ao Procurador Geral de Justiça e aos Promotores do Patrimônio Público da Comarca de Natal, na manhã desta segunda-feira, material repassado pela Comissão que evidenciaria os indícios da prática criminosa, solicitando o aprofundamento das investigações no que se refere aos eventuais delitos, com a responsabilização de quem se encontrar em culpa.

IV - Que, paralelamente a esta providências, foi determinada a reestruturação do Setor de Precatórios, inclusive com a continuidade da averiguação mais completa das irregularidades e a imediata remessa ao Órgão do Ministério Público de todos os fatos que fossem detectados e que, em tese, se constituíssem crime, havendo ainda solicitado, para tanto, auxílio do Tribunal de Contas do Estado, assim como irá comunicar e solicitar a contribuição do Conselho Nacional de Justiça.

V - Que no momento ainda não irá disponibilizar à imprensa o exato e completo conteúdo dos fatos até agora apurados, por expressa solicitação da Comissão referida, com o único objetivo de não prejudicar a continuidade da apuração ou eventuais medidas que venham a ser adotadas, pelo que se limita, no presente momento, a comunicar as providências que estão sendo tomadas no sentido de impor ao procedimento a seriedade e transparência necessárias, além de demonstrar a inafastável postura da Presidência, no sentido de conduzir a situação com serenidade e rigor.

É o que no momento temos a esclarecer.

Natal, 23 de janeiro de 2012.

Desembargadora JUDITE NUNES
Presidente do TJ/RN


Em dois anos, setor teria movimentado R$ 100 milhões


As cifras movimentadas anualmente pela Setor de Precatórios do Tribunal de Justiça, que estão atualmente sob investigação, são milionárias. De acordo com dados da Secretaria Estadual de Planejamento, em 2011 ocorreu um repasse de R$ 22,5 milhões somente para pagamento de precatórios alimentares (referentes a salários, aposentadorias, gratificações, etc). Neste valor não estão incluídos os repasses das prefeituras e outros referentes a processos não-trabalhistas, como os de desapropriação de imóveis, por exemplo. Fontes no Judiciário e no Executivo apontam que o valor de fato pago aos credores através de cheques judiciais é substancialmente inferior aos R$ 22,5 milhões repassados pelo Governo do Estado.

 Em 16 de dezembro de 2010, a então chefe do Setor de Precatórios, Carla Ubarana, destacou no portal do Tribunal de Justiça, que até o final daquele ano seriam pagos R$ 100 milhões em precatórios aos servidores estaduais e municipais. Na mesma ocasião, Carla Ubarana disse que outros R$ 189 milhões estariam acordados para serem formalizados em breve. Ou seja, a partir de janeiro do ano passado. Entre 2009 e 2010, o TJ foi presidido pelo desembargador Rafael Godeiro. Segundo a ex-servidora do Tribunal, o pagamento dos precatórios era uma prioridade do então presidente. 

 Segundo o depoimento de pessoas que convivem com o cotidiano dos processos de precatórios, uma possível dificuldade do Tribunal de Justiça organizar administrativamente esses processos, chama atenção. A conta utilizada para receber o repasse do dinheiro dos entes públicos não seria exclusiva para precatórios. 

A partir de 2009, os Estados e Municípios tiveram que repassar um percentual definido em lei para o pagamento de precatórios. A Emenda Constitucional nº 62 definiu critérios para a regularização das dívidas. O pagamento de despesas acima de 60 salários no qual a Fazenda Pública Municipal, Estadual ou Federal é condenada através de decisão judicial a efetuar o depósito em favor de determinada pessoa ou empresa é nomeado precatório. Os valores inferiores à soma de 60 salários mínimos recebem o nome de Requisição de Pequeno Valor (RPV).

Presidência do TJ exonera chefe do setor


Após uma inspeção nos documentos e processos que tramitam dentro do Setor, responsável pelo pagamento dos valores referentes a todos os precatórios dos Municípios e do próprio Estado, foram encontrados indícios de irregularidades. A desembargadora Judite Nunes, presidente do TJ, determinou a suspensão do expediente externo da divisão por 30 dias. Além disso, a desembargadora exonerou a então chefe do setor, Carla de Paiva Ubarana Araújo Leal, e designou uma comissão especial para apurar as possíveis irregularidades. O Tribunal, no entanto, mantém sob sigilo quais possíveis irregularidades foram detectadas. 

Carla Ubaran foi demitida no dia 10 de janeiro. No entanto, o TJ informou que a exoneração não foi motivada por possíveis suspeitas contra a ex-funcionária. A suspensão das atividades externas por 30 dias tem como objetivo a coleta de material para a análise, que será realizada por etapas. Ainda no dia 10 de janeiro, Judite Nunes designou o desembargador Caio Alencar, para presidir a comissão especial que procederá a investigação.

O desembargador Caio Alencar terá a colaboração do juiz Luiz Alberto Dantas Filho e de mais três servidores do judiciário, entre eles Adamires França, que foi exonerada no dia 16 de janeiro da função de Chefe de Seção de Análise e Registro Contábil para assumir o comando da Divisão de Precatórios. A investigação será realizada por etapas. Ontem, o Ministério Público Estadual recebeu uma cópia do relatório preliminar da Comissão para ser analisado pelos promotores de Defesa do Patrimônio Público.

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